Beelzebuth – o mito

“Tudo que existe tem um nome; o que não tem nome não existe” 

        (Doutrina do Nome- pensamento mesopotâmio)  

Alguns acontecimentos polêmicos ocorridos no Brasil nos últimos tempos ergueu um assunto deveras complexo, porém, fundamental para a compreensão da Quimbanda Brasileira acerca de sua figura totêmica, sua fonte de força primordial e sobre a própria hierarquia dos espíritos ancestrais que são atraídos para esse egrégora. Sob hipótese alguma é nossa meta desmerecer o trabalho de desenvolvimento de outras bandas quimbandeiras, ao contrário, ensaios como esses podem trazer clareza e pontos de conflito muito sadios para futuros adeptos (as), principalmente aqueles (as) que estão adentrando nas sendas sagradas a pouco tempo e possuem uma visão limitada sobre o processo transformador ocorrido em terras brasileiras. Falar sobre Beelzebuth é uma tarefa que envolve anos de dedicação, muito estudo e praticas aprofundadas dentro dos círculos de magia negra. Trazer essa história para dentro da Quimbanda é ainda mais complexo, afinal, todos os referenciais confiáveis que possuímos são orais e o que foi publicado não vem de fonte fidedigna, afinal, os artigos escritos em grande parte foram publicados por umbandistas que desejavam conscientemente estabelecer uma ruptura entre o “bem x mal (branco X as outras raças)”, mesmo que isso custasse a exclusão social e completa destruição de um legado muito maior do que eles tiveram acesso à época. Essa falta de informação (proposital) abriu espaço para que o planejamento e sistema de demonização da Igreja Católica agisse livremente, e pior, fizesse com que novos mitos tomassem forma e assumissem postos dentro dos movimentos de resistência. É mais fácil rechaçar aquilo que se conhece/domina, pois foi criado e modelado justamente para ter falhas e essas serem combatidas com êxito.

Para que nossos argumentos tivessem escopo e fossem devidamente levados em consideração, citaremos diversas fontes formadoras do mito e teceremos nossas observações pessoais seguidamente. Assim, o (a) leitora interessada nesses aspectos poderá encontrar engrenagens que ajudam-no (a) compreender ainda melhor os erros e acertos do processo formador de algo ainda maior: Vossa Santidade Maioral de Todos os Infernos. Cremos que esse seja o principal foco desse texto, pois não estamos escrevendo sobre demonologia, mas sobre como e porque tais enredos foram inseridos dentro da Quimbanda Brasileira. 

Dividiremos o texto em partes para que fique mais direcionada a leitura e esperamos contribuir com nossa religião, que infelizmente ainda está em processo formador e suscetível a erros básicos, mas que podem interferir muito o ideal de resistência e guerra espiritual que existe explicita e implicitamente. 

A história formadora do nome:     

Antes de adentramos na transformação do nome e na inserção de determinadas qualidades dessa inteligência espiritual, acredito que fazer uma breve explanação histórica acerca das civilizações pode contribuir para algumas associações.

A Ásia Ocidental (principalmente o Oriente Médio) englobava a antiga Mesopotâmia ou bacia do Tigre e do Eufrates. Sua parte baixa constituía a Suméria, uma civilização que se estendia e influenciava os demais países vizinhos como Elam (Sudeste do Irã), o reino de Urartur ou Van (mais recente), a Síria e a Ásia Menor (sede do poder dos hurritas e hititas), o reino da Fenícia e da Palestina. 

Nos estudos acerca das religiões ancestrais, dentro do enredo das regiões citadas acima, os cultos eram basicamente conduzidos para a fertilidade e fecundidade. São chamadas de religiões Asiânicas e Mesopotâmicas

Muitas guerras aconteceram dentro de tais territórios (isso também faz parte da história das civilizações) e naturalmente a cultura foi maculada pela miscigenação dos povos dominantes. Destacamos a guerra (duelo de múltiplas fases) entre semitas (provenientes da Arábia) e sumerianos que sucumbiram à soberania semita. Portanto, qualquer definição acerca das religiões é cercada de entraves conectados com guerras e disputas. Por mais que nos esforcemos, jamais conseguiremos dar uma completa exatidão dos pensamentos de tais povos que se distanciam de nós milhares de anos. 

Partindo desses aspectos, iniciamos a jornada de Beelzebuth pelos caminhos transformatórios da mitologia.  

A Força do nome

Baal– palavra de origem semita, com cognato em hebraico, é uma expressão para que “o senhor, dono ou marido”. Tal palavra pode significar qualquer deus, ou até mesmo pessoas encarnadas. Portanto, apenas estudando exaustivamente os textos das antigas religiões poderemos dar a certeza de que “Baal” estamos retratando e qual sua relação no tempo-espaço dentro nas culturas. Pode ser Hadad em Ugarit, Baal de Tiro, Baal de Cartago, Baal Afelkart entre outras passagens onde o nome aparece. 

Outro aspecto deveras interessante na morfologia do nome Baal é a forma cognata em Acádio: Bel. Os significados são os mesmos. Um dos deuses que recebe esse título é Enlil (Pai dos Deuses) – deus do vento e das tempestades. Adorado na cidade de Nippur no Ekur e que recebe o título de Bel ostentando uma tiara de cornos, assim como Anu. Detalhe interessante: No mundo antigo, os chifres eram símbolos de poder e autoridade. Na verdade, a maioria dos deuses do mundo antigo tinha chifres, em uma clara referência à besta mais poderosa da terra – o touro, o boi selvagem, animal com fortes ligações solares, haja vista que os raios do sol eram compreendidos como chifres de luz. Posteriormente, através do processo de demonização da Igreja Católica, o touro forte e selvagem se tornou a besta-fera demoníaca Behemoth.

No culto Fenício, Baal (filho de El-Dagon e Asherat) é representado por animais corníferos como o touro e o carneiro. O “culto ao corno” demonstra a correlação aos deuses Adad mesopotânico e Hadad siríaco. Todos esses aspectos sustentam a ideia de que uma cultura influenciava as outras dentro dos territórios mesopotâmicos. 

Apesar da natureza dos cultos serem de grande responsabilidade, concedendo a conceitos de justiça e benevolência, Fontes greco-romanas relatam que os cartagineses queimaram seus filhos como oferendas, assim como alguns cananeus. Isso foi constatado através da descoberta de urnas funerárias em Cartago e Kafer-Djarra. Baal-Hammom -púnico: lbʻl mn (equivalente ao romano Saturno). Ele era um deus do tempo considerado responsável pela fertilidade da vegetação e estimado como Rei dos Deuses. Ele foi retratado como um homem mais velho barbudo com chifres de carneiro enrolado. A parceira de culto de Baʿal Hammon era Tanit. Ba’al Hammon também foi identificado com Cronos, parecia possível que eles pudessem ser equiparados. Mais frequentemente, uma conexão com o ammān semítico do noroeste (“braseiro”) tem sido proposta, sugerindo o sentido de “Senhor do Braseiro”. Ele foi, portanto, identificado com uma divindade solar. Yigael Yadin pensou que ele era um deus da lua. Edward Lipinski o identifica com o próprio deus Dagon.

         

 

Baal- Hammon sentado em seu trono

Uma característica dos deuses das culturas da Mesopotâmia são qualidades humanas. Todos possuem qualidades e defeitos. Não são deuses inatingíveis pelos homens, ao contrário, são presentes na vida das pessoas. Os mitos alimentavam as ligações, afinal, eles necessitavam de alimentos (sacrifícios) e se vestiam como humanos, com a diferença que ostentavam suas qualidades planetárias em joias e artefatos simbólicos que guardavam seus poderes. Alguns defeitos e falhas de comportamento indicam deficiências no processo de formação da sociedade mesopotâmia. O poder do verbo deles também tinha grande força, inclusive em maldições. A imortalidade ao mesmo tempo era relativa, pois alguns deuses morreram em batalhas épicas; Kingu e Tiamat 

(panteão primitivo) são os exemplos disso. O conceito “imortal” foi fruto de uma evolução e miscigenação da sociedade. 

Baal, o deus das tempestades, na sua mão direita carrega um raio e na esquerda uma lança em forma de árvore simboliza a iluminação. Segunda imagem: Baal – Louvre.

Segundo antigos escritos, o nome Zebul aparece justamente em detrimento dos defeitos e das disputas dos deuses entre si: “… atraídos pelo odor, reuniram-se como moscas em volta do sacrificador…” (o sacrifício de Utanapishtim – o justo, no poema “O Dilúvio”). 

O sacrifício de Utanapishtim

Detalhe interessante: Utnapistim é encarregado por Enqui (Ea) a abandonar suas posses e criar um navio gigante a ser chamado o preservador da vida. Utnapistim foi encarregado de trazer sua esposa, família e parentes junto com os artesãos de sua aldeia, bebês de animal e grãos. O dilúvio que se aproximava acabaria com todos os animais e os seres humanos que não estivessem no navio. Depois de doze dias na água, Utnapistim abriu a escotilha do seu navio para olhar em volta e viu as encostas do Monte Nisir, onde ele descansou seu navio durante sete dias.

Alguém consegue enxergar similaridades com os conteúdos usurpados pela bíblia?

Zebube ou Zebûb (בעל זבוב) possui o sentido literal “voar” sendo um substantivo coletivo. Portanto a junção dos nomes Baal+Zebûb significaria “Senhor que voa” ou “Senhor dos Ares”. Em verdade, Zebul é uma forma de designar aos hebreus o “quarto céu” ou o que é “Sagrado”, a “casa”, o “Templo”. Mais uma vez, Baal+Zebul significaria “Senhor do Templo” ou mesmo “Senhor do Céu” e isso nos remeteria também ao acadiano Bel.

  O número místico de Baalzebube é 55 (cinqüenta e cinco). O cálculo é resultado da soma dos valores das letras hebraicas “בַּאַל זֶבוּבֶה”. Na numerologia convencional, tal resultado poderia ser (num primeiro momento) reduzido a 10 se somarmos o duplo 5. Porém, numa redução maior onde o 10 transforma-se em 1 pelo mesmo processo, temos a concepção da letra hebraica “Alef”, ou “o início”, “o desvendador”, “a chama de um ser que sempre há de nascer”, afinal, tal letra não é um som (e podemos correlacionar com o próprio Caos pré-criação) e sim uma letra que anuncia vocalizações sem consoantes, visto que não existem letras para sons vocálicos. Na antiguidade, a grafia da letra Alef era similar a um touro e demonstrava a força, liderança, virilidade e poder. Com o tempo, a grafia foi mudando e muitos significados novos foram sendo adaptados. Hoje, existe uma concepção do Alef como uma fronteira entre o mistério e a revelação, contudo, associada ao culto e tradição hebraica onde, (após milênios de mistérios adaptados de outras culturas) apenas existe a concepção religiosa deles.  

 A corrupção do nome existiu. Não sabemos de fato onde a degeneração surgiu, entretanto, como opções, podemos seguir algumas vertentes de pensamento.

 Se a corrupção veio pelo medo, pela evolução do pensamento da sociedade, pela imposição de deuses de culturas dominantes, pela corrupção lingüística, enfim, muitas são as possíveis explicações. Não temos a fonte exata dessa informação, mas podemos apresentar algumas versões:

Vale lembrar que Baal era um deus adorado pelos cananeus. Na época, muitos israelitas se desviaram e passaram a idolatrar Baal. Um exemplo foi o rei Acabe e sua esposa Jezabel (1 Reis 16:32). A Bíblia diz que Acabe foi pior rei que Israel teve (1 Reis 16:33). 

O nome Beelzebuth entra na vida dos cristãos graças à famosa polêmica passagem relatada por Mateus (12:24-29), Lucas (11:15-22) e Marcos (3:22-30) onde ele é chamado de (arkonti ton daimonion, arconte dos daimones).”

Quando sacerdotes fariseus presenciaram o local de sacrifícios repleto de moscas atraídas pelo sangue, corromperam o nome transformando-o em “Senhor das Moscas”, um arquidemônio destruidor citado nas escrituras dogmatizadas. Essa visão pode encontrar alguns alicerces se correlacionarmos com os sangrentos cultos cananeus na cidade de Ecrom. A Bíblia cita em Reis tal relação: 

“Jeová, porém, disse a Elias tesbita: Levanta-te, e vai ao encontro dos mensageiros do rei de Samaria, e dize-lhes: É por que não há Deus em Israel, que vós ides consultar a Baal-Zebube, deus de Ecrom?”

“Depois disso, aconteceu que lhe trouxeram um endemoninhado, cego e mudo; Ele curou, de modo que pode falar e ver. Então, toda multidão ficou atônita e exclamava: “É este, porventura, o filho de Davi?” Mas os fariseus, ao ouvirem isso, murmuravam: “Este homem não expulsa demônios senão pelo poder de Belzebu, o príncipe dos demônios.” (Bíblia de King James atualizada – Mt12:22-24)

Trecho retirado da obra de Huberto Maggi – Goetia História e Prática)

Outra opção para possíveis origens do nome, seria a errônea interpretação bíblica do Rei James (Authorized King James Version). Em suas explanações fantásticas, “Zebube”, que está diretamente ligado com “aquilo que pode voar”, “criaturas que podem voar” e em inglês “the things that can fly”, foi deliberadamente modificada, afinal, “fly” também quer dizer “mosca”. Associar deuses com animais incompreendidos e tidos como repugnantes era uma ótima maneira de corromper os antigos sagrados e rebaixar os “deuses” indesejáveis manipulando-os.

Antes de adentrar no mistério “Beelzebuth”, acredito que o ensaio de Carlos Rabelo possa dar uma visão mais poética acerca dessa corrupção do nome Baal

“Teoriza-se historicamente, baseando-se na cultura mesopotâmia a origem desse mistério espiritual denominado :Belzebu.  

De acordo com uma antiga lenda mesopotâmia, o Deus Baal, Senhor da terra, Sol e fertilidade era o mais bondoso Deus com seu povo, incapaz de fazer o mal a qualquer ser humano, nunca negando prosperidade e fartura a toda a raça que o seguia. O Benevolente Deus, com o passar das eras foi se deparando com a descrença humana (fruto da cultura bestializada da guerra), o desapego da fé e suas tradições sendo inferiorizadas, seus templos desrespeitados pelos próprios homens que praticavam sua devoção, maculando os sagrados locais levantados por seus ancestrais, destruindo-os. Sua bondade e simpatia pela raça humana era tal que Baal não conseguia castigar todos aqueles que corrompiam seu nome e honra. 

Diz à lenda que com o passar das eras toda a raiva, ódio e desejo de vingança retida pelo Deus, foi acumulando-se dentro dele e tomando forma. Seu desejo de destruição era tanto que ele deixou escapar essa força destrutiva, parte de sua divindade que urrava por vingança e destruição, essa energia tomou forma, um terrível inseto gigantesco, uma Vespa titânica que podia comandar todas as criaturas aladas e venenosas. Assim nasceu, forjado pelo ódio retido de Deus Bondoso, a Vingança de Baal, o Filho do Sol, senhor da destruição, BaalZebube.”

O lado sinistro do “Deus dos Ares” 

Antes de adentrarmos o silencio agudo de Beelzebuth, consideraremos suas aparições em determinadas circunstancias que o elevaram ao posto de suma potência infernal. É tido como um dos maiores detentores de possessões autenticas na história da igreja católica, inclusive, existem relatos de sua participação em conjunto com o demonizado espírito de Judas Iscariotes. Em verdade, até a data atual as Igrejas montam verdadeiros exércitos de “exorcistas” prontos para supostas batalhas espirituais:

“Porque as armas da nossa milícia não são carnais, mas sim poderosas em Deus para destruição das fortalezas.” [2 Coríntios 10:4]. Tais “aberrações” alegam que Beelzebuth atinge graus tão entranhados que conduzem à extinção das forças biológicas levando o ser vivo a morte.  

Essa massa modeladora diabólica judaico-cristã criou arquétipos explanados em muitas obras de Demonologia. No Dictionnaire Infernal”, de JacquesAlbin-Simon Collin de Plancy”, postado originalmente em 1818 na França, Baal e Beelzebuth são descritos da seguinte forma (tradução adaptada feita pelo autor do texto):  

Baal: Grão duque e dominador supremo. General e chefe das armadas infernais. 

Béelzebuth:  Segundo as escrituras é o “Principe dos Demônios”. Pela visão de Milton, o primeiro em poder e crime após Satanás e Wierius define-o como “Chefe Supremo do Império Infernal”. 

Seu nome significa “Senhor das Moscas”. Bodin diz que não podemos ver o ponto no seu templo. Béelzebuth era uma dinvidade do povo de Canaã que por vezes era representado/disfarçado por uma mosca, outras com atributos do poder soberano. Ele tinha o poder de libertar os homens das moscas (insetos alados) que devastavam suas culturas. (Entendemos plantações). 

Muitos “demonólogos” classificam-no como governante do “Império Escuro”, porém, cada um o representa segundo sua imaginação, assim como fabricantes de contos fantasiosos recheados de ogros, fadas e todos os seres imaginários. 

Os “escritores sagrados” referem-se a tal como hediondo e terrível. Milton lhe dá uma aparência imponente, transpirando grande sabedoria no rosto, alto como uma torre ou as vezes do mesmo tamanho que nós. Alguns o enxergam como serpente e outros como uma linda mulher. Talvez essa concepção feminina – no primeiro momento uma serpente e no segundo uma mulher – de Beelzebuth tenha sido um dos enxertos que permitiram sua associação à imagem similiar a de Baphomet ocorrida aqui no Brasil, porém, isso é apenas uma especulação por parte do autor.  Essa mutação de gênero concedeu uma falsa ideia de que Beelzebuth era um bipolar, quando na verdade eles o compararam ao aspecto feminino apenas como forma de subjulgá-lo, tornando-o imundo ante ao Deus altíssimo. 

Palingen disserta acerca do “Monarca do Submundo”: “é tamanho prodigioso, sentado em um trono enorme, com a testa emanando fogo, peito estufado, rosto inchado, olhos cintilantes, sobrancelhas levantadas e ar ameaçador. Tem narinas extremamente grandes e dois grandes chifres em sua cabeça. É negro como um mouro, tem duas asas de morcego que saem de seus ombros, grandes pés de pato, cauda de um leão e cabelos longos da cabeça aos pés (demônios enviados). Detalhe interessante: Outro ponto que permite associações: o fogo emanando da testa (cabeça) entre os chifres. Isso também o associa à imagem de Baphomet.

Segundo o misterioso livro “Grimourium Verum”, Beelzebuth, juntamente com Lucifer e Astaroth compõem a “tríade negra” possuindo diversos espíritos demonizados como inferiores a eles. Comanda a região da África. Descrito como monstruoso, aparece aos olhos do escritor como uma vaca gigantesca ou como um bode de rabo longo que quando irritado vomita labaredas de fogo. Essa é mais uma característica que o associou à imagem de Baphomet remodelada em terras brasileiras. A cabeça de touro, relacionado ao Sol, foi trocada pela de bode, animal saturnino e conectado à foice e a própria morte.

No livro de São Cipriano – Tesouro do Feiticeiro, literatura que indubitavelmente influenciou a formação da Quimbanda Brasileira, temos no capítulo VII a citação de que Lúcifer é o Imperador do Inferno, Beelzebuth seu príncipe e Astaroth seu Grão-duque. Todos os demais espíritos estariam abaixo dessa tríade infernal.

Muitas outras visões distorcidas de BaalZebube corroboraram para a formação de um arqui-inimigo poderoso e extremamente dominador. Fundido no medo, nas guerras inter-raciais e estabelecido no subconsciente da humanidade, o “Senhor das Moscas” aterroriza as religiões do mundo com suas promessas de destruição. Sempre submisso e expulso da vida dos seres humanos em nome de “Deus”, encontra-se presente nos sermões como aquilo que os seres devem temer. Batalhas espirituais entre sacerdotes figuram a deformação de seu culto original e, consequentemente, alimentam ainda mais a fogueira das vaidades religiosas. A visão de Carlos Rabelo descreve uma mutação interna de Baal para a forma mais maligna de si, tornando-se mais viva para concebermos toda essa modificação. Da sombra de algo puro, nasceu algo obscuro e nas conchas qliphoticas; Beelzebuth deu seu berro…  

Visão Qliphotica de Beelzebuth 

Antes de citar referencias qliphoticas, ressaltamos uma ideia que deve ser compreendida para entendermos o contexto. 

O “Niilismo” 

Os “porquês” são constantes aos seres humanos desde o início da consciência. Buscando respostas em diversas vertentes evolucionistas, alcançamos padrões que possibilitam parâmetros para sanar essa “sede”. Quando algo é “supostamente” respondido, edificam-se padrões sociais, científicos, artísticos, enfim, nasce a existência de um conceito. Esse conceito é uma forma de segurança ao homem, afinal, a matéria necessita de pilares rígidos sob pena de não existirem construções (no mundo físico, consciente e subconsciente). O Niilismo ocorre quando um desses conceitos literalmente desmorona deixando toda construção dos homens sem estruturas. É como se o homem crente no que faz descobrir que tudo é falso, sem fundamentos e lógica. Isso o fará despencar num abismo donde deverá decompor tudo que construiu em cima de falsas concepções. 

Nessa destruição, o homem é impedido de mentir para si acerca dos seus conceitos e ao contrário do que alguns citam, não existe o niilismo negativo, pois a única forma de obter a completa liberdade é destruindo todo e qualquer conceito moral estabelecido ao longo da formação de uma sociedade hipócrita, religiosamente manipulada e fraca. O Niilismo provoca a morte dos sentidos e um aguçado senso de deidade particular diante a uma “humanidade civilizada”. 

Não adentrarei no conceito do niilismo com mais profundidade, apenas uma panorâmica foi descrita afim de que, posteriormente, a Torre de Beelzebuth possa ser devidamente compreendida. 

Beelzebuth, a verdade 

A mente dos seres humanos é uma ponte que conecta o micro e o macrocosmo. Beelzebuth assumiu a forma de ser infernal, portanto, conectou sua existência subconsciente à antimatéria. Sendo assim, como um vento que tudo destrói, acaba sendo opositor de toda construção sephirotica. Seus impulsos energéticos agem dentro de alguns escolhidos como “buracos negros sugando incessantemente” tudo que é edificado. Todas as correntes estagnadas são quebradas e dissolvidas. Beelzebuth surge como o “açoite do velho Aeon” dissolvendo as velhas formas, putrefando velhos corpos (digo corpos como doutrinas, formas de pensamento e formas físicas) demonstrando ao homem que tudo que ele acredita é ilusório, transitório e perecível.  

Existem certas formas de interpretar as energias que influenciam nossas existências, uma das mais interessantes é a interação da figura em alguns tipos diferentes de ciências ocultas, assim ocasionando um coeso através da comparação das partes envolvendo a figura do temido ser qliphótico.” (Magno Francis – LTJ 49

Beelzebuth torna-se o guardião da torre do niilismo. Sua figura de “Senhor das moscas e dos escaravelhos” é verdadeira e forte, afinal, a mutação de sua essência primordial lhe concedeu liberdade de ser o decompositor das mentiras e das ilusões.  

A Associação qliphotica ocorre na qlipha de Ghougiel, que é traduzido como “estorvadores”. Essa visão não é tão correta, afinal, um estorvador é um agente que impede, dificulta, embaraça e tolhe (Dicionário Aurélio Buarque de Holanda) e isso limita  a influência. Ghougiel, além disso, é a completa destruição.  Isso corrobora com a construção de que Beelzebuth é carcereiro da psique humana, destruidor do ego e a cegueira espiritual dos seres. Dentre seus atributos, ergue-se a grandiosa dissolução do ego e de todos os supostos valores morais impelidos pelas religiões estagnadas da Terra. O homem “desprogramado” torna-se livre e poderoso, um verdadeiro vaso jorrando a luz negra sem a ânsia e a falta de razão perante seu próprio “Eu”.  

Outro ponto deveras importante reside que na própria putrefação biológica a raça humana enxerga sua podridão. O dito “ser perfeito” ao morrer torna-se fétido e sua matéria orgânica, dependendo das situações, necessita de determinados tratamentos para não poluir a natureza.  

Quando o ser humano compreender e aplicar a sabedoria recebida em Ghougiel sob seu ego, passa a ser uma sombra que possibilita a vida de novas sementes. Beelzebuth é o motivador dos ventos do niilismo na vida (como um todo) dos adeptos (as). Suas energias possibilitam uma grande gama de transformações no vazio que as tempestades deixam (micro e macro) e o silencio precede a criação ou destruição de algo que prende a evolução e o encaminhamento correto. Beelzebuth carrega a vingança dos deuses sinistros, pois faz com que os homens dobrem suas concepções à luz negra.  

 

Sigilo de Beelzebuth

Beelzebuth na Quimbanda

O enredo formador da Quimbanda Brasileira teve muita influência bíblica. Não se trata dos conceitos cristitas estarem presentes no culto, mas de alguns aspectos que se entranharam no processo formador do mesmo. Beelzebuth, Príncipe dos Demônios e Senhor das Moscas está relatado na própria Bíblia, nos livros de Lucas, Marcos e Mateus e em centenas de grimórios e relatos. 

Beelzebuth foi relacionado à Èsú da mesma maneira que Satanás, ou seja, através das expedições missionárias dentro do continente africano. Essa associação foi tão forte que um dos grimórios mais afamados dentro do “Universo da Demonologia” (Grimorium Verum) alega que Beelzebuth é o Governante da África

Não podemos declarar que existiu algum culto na África para o Deus Baal ou Beelzebuth, mas temos certezas que certas relações foram estabelecidas. Historicamente a África teve parte de seu território colonizado pelos Fenícios por volta do século X a.C. Sabemos que esse povo se expandiu por grande parte do Norte da África e sua cultura afetou e influenciou parte da cultura nativa. Seríamos imprudentes se afirmássemos que essa influência chegou ao Sul da África, mas temos em Mpumalanga (Sul da África) uma área agrícola chamada ‘Beelzebub’. Isso pode ser resquício da antiga cultura entranhada no povo ou mesmo influência cristã no início do processo colonizador na África. 

Certo é que parte do povo africano que veio para o Brasil através do processo escravista já tinha ouvido falar do Deus das Moscas e alguns sabiam que o mesmo era comparado ao Òrisá Èsú. O povo ameríndio teve contato com esse nome através dos Padres Jesuítas ao longo da evangelização do Novo Mundo.

Beelzebuth é um nome que impõe terror ao povo cristita há centenas de anos. Através do intercâmbio cultural no território brasileiro, assumiu novas características e passou a ser chamado de Maioral, assim como sua imagem foi relacionada/vinculada com a imagem de Baphomet (mesmo que tenham apenas leves traços comparativos). Ao longo do desenvolvimento do culto da Quimbanda, a manifestação de Exu sincretizada com Beelzebuth foi chamada de Exu Mór. Essa afirmação está completamente errada, pois ‘Mór’ é um adjetivo para expressar a qualidade de maior ou maioral e nossa Tradição entende que quando um espírito recebe a incumbência de conduzir o desenvolvimento de uma Casa de Exu, torna-se o Maioral daquele ‘chão’, mas isso não significa que se transforme em Exu Beelzebuth, muito menos Maioral Beelzebuth. Exu Beelzebuth só se torna Exu Mór se o adepto preparado e desenvolvido para ser zelador de uma Casa de Exu possuir em seu enredo essa qualidade de Exu, caso contrário não existe relação entre ambos.

 Exu Beelzebuth é uma qualidade muito exaltada, porém, mal compreendida pela grande maioria dos adeptos (as) e semelhantes. Os mais ‘cegos’ espiritualmente alegam que não existe essa legião, pois jamais conseguiram entender a profundidade desse nome na essência da própria religião. Os espíritos que compõem a legião desse Exu são atraídos pelo enorme poder estorvador que emanaram em vida. Geralmente eram religiosos de todas as espécies que, em algum momento de suas vidas, caíram no ‘poço da descrença’ após despertarem das inúmeras mentiras que suas vertentes propagavam como ‘verdades absolutas’. Esses religiosos, por vezes sacerdotes e sacerdotisas, perderam-se após terem suas mentes despertas pelos impulsos do Trono do Niilismo e tornaram-se contrários aos sistemas que tinham como alicerces de suas existências. 

Os adeptos (as) da Quimbanda Brasileira evocam os poderes da legião de Exu Beelzebuth quando necessitam guerrear espiritualmente contra as energias geradas pelas religiões estagnadas. É chamado quando a guerra interna e externa é declarada e o adepto necessita estar em perfeito equilíbrio para agir, pois deve saber o exato momento de atacar (exterminar) ou recuar para buscar forças e energias. Suas correntes são tão fortes que podem transpassar qualquer proteção, pois sua forma de ação é completamente imprevisível e abstrata. Também é chamado para favorecer a busca pela sabedoria, afinal, promove estados mentais equilibrados e aptos ao entendimento. Esse poder é tão amplo que existem alguns relatos onde foi usado na cura de doenças mentais.

Ponto Riscado do Exu Beelzebuth que expressa suas qualidades extremamente receptivas. Usado para bloquear as correntes dos inimigos e infiltrar nas proteções.

 

Ponto Riscado do Exu Beelzebuth usado para a realização de ataques espirituais.

Beelzebuth é Maioral de Todos os Infernos?

Ao longo dos anos temos escrito muitos artigos que decodificam o mistério Maioral e toda sua Santidade no processo de culto aos antepassados, afinal, para existir um compartilhamento é de suma importância que exista uma fonte primordial, um totem que se ergue e jorra energia para que vivos e mortos que se ligam ancestralmente possam compartilhar energias. É uma questão de física e lógica quando lemos a Quimbanda Brasileira como um caminho evolucionista e transformatório onde espíritos que se rebelaram contra todo esse Sistema e conseguiram construir territórios astrais onde conseguem se transformar, aprender, lapidar e retornar na forma de Poderosos Mortos para continuar incitando a revolta interna e modificando padrões escravistas. Toda modificação interna se reflete externamente e isso naturalmente gera conflitos, afinal, uma nova pessoa está renascendo e sua presença já não é a mesma. Se isso não for uma guerra, não sabemos como classificar de outra maneira.

Qualquer modificação que vise transformar conceitos éticos e morais, ampliando a visão e fornecendo novos meios de conhecimento coloca interrogações nas visões engessadas que vivenciamos. O mundo mudou, mas não o suficiente para que não fosse mais necessária a presença do niilismo nas pessoas. A Quimbanda cresceu e cresce mais a cada dia justamente pelo fato de que encontra espaços. Assim como o mato cresce nas rachaduras do concreto, os espíritos da Quimbanda adentram o Sistema e vão influenciando até o ponto de que suas raízes consigam rachar o concreto. 

Maioral contém a essência de Beelzebuth, pois foi um dos deuses demonizados que chegaram em terras brasileiras através da dominação cristã, mas Maioral é muito maior que Beelzebuth, porque absorveu outros deuses (inclusive africanos) e deusas em sua composição. Por esse motivo, a imagem de Baphomet foi um avatar que possibilitou uma série de adaptações e hoje faz parte da grande maioria dos Templos genuinamente quimbandeiros, ou melhor, templos que não nasceram na manjedoura cristã e sim no conhecimento teórico e prático de um Sistema completamente independente.  

Porque “Maioral Beelzebuth”?

Os quatro elementos da criação física são:

Fogo, ar (Reinos Dinâmicos), água e terra (Reinos Receptivos).

Quando dividimos esses elementos, a água e a terra ficam bem definidos, ou seja, sabemos o que é um rio, o mar, uma colina, uma estrada, um cemitério, uma praia, enfim, são reinos visíveis e divisíveis, todavia, quando falamos de fogo e ar (principalmente o ar) torna-se impossível o dividirmos, tampouco, termos noções visuais. 

Nos Reinos divisíveis existe uma hierarquia espiritual bem definida. Legionários, Mestres “7”, Reis e Rainhas. Cada um tem suas funções bem definidas e limitadas, entretanto, nos Reinos Dinâmicos não há como estabelecer limites e fronteiras invisíveis, assim, não há como ocorrer um reinado. Os espíritos que ascendem nesses Reinos não se tornam Reis/Rainhas (porque não podem gerenciar), mas recebem o título de Maiorais, pois possuem a capacidade de transitar e influenciar TODOS os demais reinos. 

Mas, porque não?

A resposta é simples: Pelo fato de que Beelzebuth é visto tanto como o Senhor dos ares, daquilo que está acima, bem como o senhor da putrefação e das moscas. Os velhos costumes retornam quando não o classificamos de acordo com o que a Igreja deseja. Assim, é uma honraria um espirito receber a alcunha de Beelzebuth e honraria maior quando se torna mais expansivo através do título de Maioral. 

Lúcifer é Maioral daquilo que existe abaixo (e forma todos os reinos, afinal, o magma construiu e construiu territórios) e Beelzebuth daquilo que está acima. O vento que expande o fogo…

Ponto Cantado da Legião 49:

“Meia noite em ponto, subi a ladeira da igreja

 Acendi velas pras almas e saudei a Quimbanda Brasileira

Meu pedido era certeiro, queria derrubar o oponente

Não hesitei no meu chamado, Ele veio em fogo ardente

Se a guerra é feroz, mais feroz é o teu nome 

Glorioso Beelzebuth, vai te matar enquanto dorme!”

Talvez, agora vocês consigam entender melhor um dos nossos grandes símbolos:

Oração de Beelzebuth

 “Cavaleiro Imperioso, requintado e magnânimo, apresente-se ao meu lado com tua força dinâmica, trazendo energia da Vida e da Morte. 

Maligno quando necessário, sempre sagaz, rasga com tuas armas todos os impedimentos que atravancam minha evolução. 

Requintado Lorde Beelzebuth, retira-me do estado da inércia e do desânimo e facilita a ascensão dos meus desejos sempre me iluminando e elucidando para que não me torne escravo dos mesmos. 

Proteja-me de todos os perigos e armadilhas mostrando-me como agir com maestria através da minha própria intuição! 

Com tua espada, livra-me da morte prematura, com teu garfo, livra-me das emissões nocivas e com tua capa esconda-me de tudo que me persegue!

Que tragas em meu lar, bem como em minha vida a prosperidade, saúde e harmonia, pois, necessito da tua intervenção nos planos da matéria! Laroyê Beelzebuth! Louvado, adorado e amado será para todo o sempre! Alupô Maioral!”

Bibliografia: 

Documento oficial de “ Exorcismis et Supplicationibus” (“De todos os Gêneros de Exorcismos e Súplicas”), de 1999. 

The Death of Satan: How Americans Have Lost the Sense of Evil, Andrew Delbanco, Farrar, Straus & Giroux, Nova York, 1996  

 P. Adolf Rodewyk, SJ: “A possessão demoníaca nos Tempos de Hoje.” Edição alemã de Paul Pattloch, Aschaffnbourg, 1976. 

 A Genealogia da Moral , Friedrich Nietzsche, Editora Escala. 

A Cabala Draconiana, Adriano Camargo Monteiro, Editora Madras. 

The Nightside of Eden, Kenneth Grant, Editora Ixxaxar.

Liber Azerate, T.O.B.L 

Coppini, Danilo. Quimbanda – O Culto da Chama Vermelha e Preta. Editora Capelobo. 2015. Editora Via Sestra. 2017