A Incorporação
Incorporação (vinda do latim “incorporatione”) significa entrar na composição de algum corpo ou reunir-se ao mesmo. No culto da Quimbanda Brasileira, assim como em outros cultos de matriz afro, entende-se que incorporar é permitir a um espírito desencarnado o uso parcial de uma matéria densa (corpo) para que o mesmo possa se comunicar, transmitir sua sabedoria e desenvolver práticas magísticas diversas. Tido como um fenômeno mediúnico, a incorporação é um dos grandes fundamentos da Quimbanda. Os espíritos desencarnados ou “sombra dos mortos”, quando compartilham a matéria dos adeptos, produzem no plano físico um amplo impacto, afinal, todos os praticantes podem ter acesso a uma fonte de sabedoria e conhecimento que está além das limitações físicas.
Aos que creem na manifestação, a incorporação torna-se um momento sublime, repleto de poder e mistérios. Ao contrário do que muitos alegam, entendemos que a incorporação não é um fenômeno natural, tampouco, exclusivo de “poderosos médiuns” detentores de uma espiritualidade “superior”. Não existem “médiuns superiores” e sim pessoas que, por possuírem uma capacidade receptiva maior, facilitam o estado de compartilhamento, porém, o ato de incorporar trata-se de uma prática que exige muito estudo, acompanhamento, dedicação e autoconhecimento. Existem etapas que levam anos para ser superadas e quando o adepto/a não tem uma estrutura que o “alimente” corretamente, acaba criando enormes confusões internas que podem resultar no abandono das práticas ou em algum transtorno psíquico.
Para que ocorra uma ritualística perfeita, uma série de detalhes devem ser respeitados:
– O ambiente ritualístico devidamente equilibrado energeticamente;
– O corpo físico “limpo” de energias estagnadas;
– O estado mental controlado, harmonizado e focado na ritualística;
– O correto direcionamento das invocações e evocações para a aproximação físico/espiritual;
– A condução ritualística exercida com dedicação e conhecimento.
Para a melhor compreensão acerca do fenômeno de incorporação, alguns pontos primordiais devem ser abordados. Nossa visão não se limita aos conceitos do Espiritismo e da Umbanda, porém, em alguns pontos ocorrem similaridades. Partimos do pressuposto que o corpo humano é uma casca que abriga uma fagulha (espírito). Essa casca, também chamada de invólucro ou corpo denso possui um “sistema” elétrico que regula dezenas de funções primordiais. Esse sistema é alimentado de duas maneiras:
- Por nutrientes físicos (comida e bebida);
- Por nutrientes espirituais (energias). O corpo denso cria, através da movimentação energética, campos magnéticos que atraem ou repelem energias exteriores. Se o corpo humano não estiver em perfeita harmonia, esse desequilíbrio energético causa diversos tipos de males e, posteriormente, até doenças crônicas. Por sua vez, os campos magnéticos são regulados por centros energéticos que estão localizados entre os mesmos e o corpo denso. Exotericamente conhecidos como “Chacras”, esses plexos energéticos são vórtices de vitalidade que vibram em pontos capitais do corpo. São sete os principais centros energéticos e os mesmos se correspondem com as sete principais glândulas dos seres humanos.
O espírito encarcerado na casca não é uma energia amorfa. O espírito é guardado por um corpo, chamado de “Corpo Astral”. O “Corpo Astral”, ao longo da escalada evolutiva dos seres humanos, pode se tornar mais sutil ou mais denso de acordo com as descargas emocionais geradas e com as influências provindas de desequilíbrios energéticos nos campos magnéticos. O corpo e os pontos energéticos envoltos pelo campo magnético.
Experimentos científicos constataram que podemos medir a energia do campo magnético, chamado pela Quimbanda Brasileira de “escudo”, através dos tons de cores e da intensidade luminosa que o mesmo emite. Nós acreditamos que a cor e a luminosidade não são elementos que determinam a intensidade do escudo. Entendemos que a Quimbanda Brasileira tem como fundamento principal despertar fagulhas ígneas contidas no espírito e fortalecer suas ações através do Culto de Exu. Esse caminho é uma via evolutiva que trabalha com o escurecimento alquímico da alma, portanto, torna-se impossível medir/avaliar um escudo energético de um adepto seguindo padrões pré-determinados. O “escudo” de um adepto segue a cor que seu espírito vibra e está intimamente conectado com sua relação elementar. A alquimia espiritual faz com que o “escudo” proteja os adeptos de energias nocivas e fortaleça o processo de simbiose com seu Mentor Exu, pois ambas as energias irão compor a proteção. O “escudo” não será um entrave para a incorporação (e outras formas de contato), pois o mesmo é composto tanto pela energia produzida pelo “corpo astral” do adepto quanto pela contínua emissão energética do Mentor Exu que o acompanha. Salientamos que o Mentor Exu corrobora com a filtragem das energias que alimentam o “corpo astral” bem como com a descarga das mesmas. Esse processo garante o bom funcionamento dos vórtices (chacras) e um contínuo estado evolutivo que, ao longo dos anos e do forte desejo, afasta a possibilidade de descargas emocionais de qualquer natureza.
Todo comportamento excessivo por parte do adepto pode comprometer esse “escudo”. Não se trata de cercear a vida, mas de equilibrar as paixões. Essas descargas são tão poderosas que destroem a proteção e abrem espaço para a “invasão” de energias imundas para o “corpo astral”. Por tal motivo, a Quimbanda Brasileira não estimula o uso de nenhum tipo de entorpecente ou mesmo corrobora com práticas mágicas que estimulem a cegueira espiritual. Quando um adepto inicia o processo de “incorporação” de seu Mentor Exu/Pombagira, o escudo deve estar completamente aberto para a vibração dessa energia. Esse processo deve ser iniciado a partir do momento em que o adepto compreenda a ação astral e física de seu Mentor, bem como toda força dinâmica e receptiva que envolve essa prática. Tendo ciência, a incorporação deve ser estimulada através das “Giras de Desenvolvimento”. Essas “Giras” (rituais destinados à incorporação) visam harmonizar a energia do escudo do adepto com as descargas do Exu. Conforme o adepto for participando de tais práticas o escudo vai equalizando ambas as energias, até que a “simbiose” energética esteja completa. Ressaltamos que incorporar não significa que o corpo físico seja tomado por uma outra energia e sim, que dois espíritos utilizam de forma dividida e consentida a mesma.
Como dito anteriormente, dois corpos não ocupam o mesmo espaço – “Teoria do Contato de Isaac Newton” – essa prerrogativa preconiza que para ocorrer a incorporação plena o espírito residente na matéria densa deve se ausentar a fim de que o espírito desencarnado possa fazer uso da mesma. Seria uma espécie de “posse consentida”. Em verdade, o espírito não se ausenta completamente de sua matéria, apenas se desloca para que outro possa compartilhar de suas funções humanas. Conforme o adepto for se desenvolvendo, o Exu vai tomando mais espaço nessa relação e trabalhando com suas energias na parte profunda do tronco cerebral. Dessa forma os níveis de consciência diminuem e a “posse consentida” ocorre com maior amplitude. Quase todos os adeptos passam por três fases ao longo dessa jornada evolutiva:
– Incorporação consciente
O adepto sente a presença do espírito em sua matéria, todavia, continua com a consciência plena de seus atos. Vive dúvidas e dificuldade em permitir que o espírito invocado possa se expressar. Na maioria das vezes, por não entender o processo evolutivo, não gosta da sensação ou crê que essa manifestação seja algum transtorno psíquico. Esse estágio requer muita tutela dos dirigentes para desenvolver o adepto canalizador e acalentar o espírito Exu que está exercendo sua função. O perigo desse estágio é a manipulação que pode existir, portanto, recomenda-se que esses adeptos não deem consultas de natureza alguma. As “Giras de Desenvolvimento”, oferecimento de alimentos (energia) nos pontos de força correto, o banho de ervas e os ensinamentos esotéricos fazem com que esse estágio possa ser mais brando.
– Incorporação semi-consciente
O adepto, apesar de ter consciência, perde a plenitude da mesma. O espírito começa ter espaço para falar e trabalhar com suas forças. Recomenda-se que quando o adepto esteja nesse estágio ocorra o “Assentamento” desse espírito. Grande parte dos adeptos “estaciona” nesse estágio por muitos anos.
– Incorporação inconsciente
O adepto ao incorporar, perde seus sentidos e o espírito ocupa-os. Nesse estágio evolutivo, o Exu pode ser testado pelo dirigente (se achar necessário) que nenhum dano físico ou emocional é transferido ao adepto. É a meta para todos os adeptos, pois não existe a possibilidade de interferência no trabalho.
Reflexaõ
Porque tantas diferenças?
Porque existe tanta diferença entre as pessoas que se dispõe incorporar um espírito?
Quando nos direcionamos a um terreiro (independente da banda) esperamos um atendimento espiritual com pessoas incorporadas, ou seja, que estão compartilhando seus corpos físico, astral, mental e carnal com um segundo espírito. Esse falará através do corpo (chamado por algumas Tradições de “cavalo”, “burro”, etc.) e aconselhará, realizará ritualísticas, enfim, fará o que puder ser feito ao (a) solicitante. Até esse ponto está tudo perfeito, mas é exatamente aqui que começam os grandes problemas estruturais da maioria das Tradições que adotam a incorporação como pilar sustentatório.
Já recebemos milhares de indagações sobre o assunto, mas falar sobre esse tema gera uma polêmica tão grande, que as vezes se torna desnecessário, todavia, como não temos receio de polêmicas, principalmente pelo fato de estarmos muito bem amparados pelos espíritos e pela ciência da Quimbanda, vamos esclarecer alguns fundamentos.
Incorporar é o ato de ceder PARCIALMENTE parte do espaço ocupado pelo seu corpo astral para que outro corpo compartilhe. Se não houver um deslocamento do nosso corpo, não haverá incorporação (incorporar- integrar, se juntar, uma fusão parcial). Nossos corpos são rodeados por um escudo energético, algo que existe para proteger as camadas internas, os vórtices de energia e a própria integridade da chama eterna. Para ocorrer a incorporação, a energia que compõe esse escudo deve ser trabalhada para que aceite a presença intrusa até que se torne familiar. Esse é o resumo do trabalho de desenvolvimento.
Diante tal cenário, fica fácil de detectar pessoas que trabalham corretamente essas relações. Existem adeptos (as) que conseguem desenvolver corretamente esse compartilhamento e outros não. Nesse exato ponto abrem-se algumas variantes nocivas às pessoas:
Animismo – ocorre quando o corpo tem uma incorporação fraca e passa manipular as palavras do espírito, colocando-lo na sua régua moral.
Mistificação – quando o corpo finge estar incorporado (porque já aprendeu que as pessoas gostam e acreditam em arquétipos e isso facilita a comunicação).
Mentalismo (mais estruturada, quase imperceptível aos leigos, pois se trata de uma técnica da psicologia aplicada dentro dos terreiros para engrandecer o ego de certos corpos) que pode ser usado para aumentar o animismo ou dar mais brilho à mistificação
Doenças psíquicas reais: onde o corpo incorpora suas duplas ou triplas personalidades acrescidas de arquétipos.
Incorporar é muito difícil, afinal, toda vez que cedemos o corpo em compartilhamento para a entrada de um segundo parte da nossa energia (e isso inclui a saúde física e mental) é comprometida. Por esse motivo grande parte das pessoas já se deparou com uma incorporação teatral, desconexa, polida demais, sem energia alguma, em cenários regados a bebidas alcoólicas, fumo, batuque (que oculta as péssimas incorporações, afinal, os espíritos estão mais preocupados com os passinhos do que com o trabalho em si) e muita alegria (o que cria um cenário de “deixa pra lá”).
A Casa de Pantera 49 entende que incorporar é um longo processo que exige testes. Usamos técnicas que ensinam os (as) adeptos (as) dominarem os fluxos e irem aprendendo ceder mais espaço dentro do corpo físico para que, paulatinamente, alcancem um estado de semiconsciência e inconsciência. Para nós, a viagem do plano dos mortos para os vivos e o acoplamento em um corpo é uma honraria e deve ser tratada com todo zelo. Erros existem em todas as bandas, até porque são grupos formados por encarnados limitados, mas tudo que estiver ao alcance dos condutores (as) para sanar essas doenças deve ser feito com muita dedicação. As técnicas são primordiais, pois sem elas os adeptos (as) estariam a mercê apenas de suas construções mentais.
Por falhas catastróficas nasceu o termo “marmoteiro (a)” que significa o mentiroso (a) compulsivo. Assim como o “bequeiro (a)” que é a pessoa sem os graus recebidos legitimamente que decide abrir uma casa sem fundamentos plenos e pratica todo tipo de insanidade.